segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

A Manga e a Manhã de Sol - Parte 14

- Mas é claro que eu vou! Quando?
- Ué, sabe que eu não sei? ‘Pera só um pouquinho! - e a voz dela ficou um pouco mais distante - VÓ!
- Que foi, Leninha?
- O Sam tá querendo saber quando será o jantar!
- Pode ser amanhã!
- Amanhã é quinta, né?
- Sexta! - corrigiu Sam.
- Ah tá! Então pode ser amanhã!
- Por mim tudo bem! Nos vemos amanhã então!
- Sim, sim, sim! E você vai finalmente provar um dos meus pratos! Nossa, tô empolgada agora!
- E eu não vejo a hora de experimentar! E também de conhecer sua avó pessoalmente.
- Ah, ela também não vê a hora, NÉ VÓ?
- Que foi agora, menina?
- NADA NÃO!
- HAHAHA! A comunicação de vocês é a melhor!
- Vai se acostumando, viu? Nós duas somos meio malucas mesmo.
- A gente vai se entender, tenho certeza.
- Ah, vão sim!
- E amanhã posso aparecer que horas aí?
- Pode vir umas seis e meia.
- Combinado, então!
- Nossa, que ótimo isto! Você vai conhecer minha casa... POR DENTRO!
- Deve ser tão linda quanto por fora.
- Ah, isto eu vou deixar você descobrir na hora.
- Continua fazendo mistério, né?
- É assim que nos conhecemos. É o que torna tudo mais especial.
- E você fica mais linda me provocando desse jeito.

ENFIM! Acho que deu pra notar que foi uma longa conversa a que tiveram naquela noite, certo? Portanto, pra encurtar e ir direto ao que nos interessa, caro (a) leitor (a), vejamos um pouco de como foi o dia seguinte de Sam.

O rapaz com cheiro de manga mal dormiu de tão ansioso que estava com sua primeira visita oficial à casa de Helena. Trabalhou naquele dia fazendo o possível para concentrar-se nos desenhos que traçava com pincel e spray, para que tudo ficasse perfeito, pois estava em seus planos levar Helena pra conhecer a galeria que ajudou a decorar. Mas Sam não conseguia evitar questões como: O que eu vou usar essa noite? O que eu faço com o cabelo? Será que deixar ele solto fica informal demais? Será que eu devo ser mais informal? E o capacete? Como eu faço com ele? Ele pode bagunçar demais o cabelo se eu usar! Mas eu tenho que usar!

Ok, deu pra notar que nosso pombinho estava com mil pensamentos na cabeça a respeito do que faria naquela noite. No final do dia voltou pra casa, tomou o banho mais caprichado jamais tomado por ele em toda a sua vida, e terminou por escolher uma calça bem confortável e solta, seu melhor tênis e uma camiseta branca com uma arte abstrata que lembrava asas e luzes dançando em tons de azul celeste e violeta. Resolveu amarrar o cabelo num rabo de cavalo meio solto.

Montou na moto e partiu. Durante o percurso brincou de imaginar-se como um príncipe indo de encontro à sua princesa após uma dura batalha salvando sua cidade de um dragão, mas lembrou que seu trabalho não tornava nem de longe seu dia ruim pra ser comparado com um monstro medieval, pelo contrário, então voltou a encarar a realidade, que era ainda melhor neste momento.

A campainha tocou na casa de Helena.

- Oi! - e parecia quase não haver espaço no rosto de Sam para conter seu sorriso de felicidade.
- Olá! - e um sol em miniatura parecia brilhar dentro de Helena, e espalhar sua luz através de seu corpo pela soleira da porta e por toda a sala de estar atrás dela.


Manga e Manhã beijaram-se e em algum lugar do firmamento uma estrela passou a brilhar pela primeira vez naquela noite do mundo. Manhã pegou a mão de Manga e conduziu-o pela sala de estar, decorada com móveis antigos de madeira, todos esculpidos com motivos florais, cercados de quadros com pinturas de belas paisagens naturais e cortinados de rendas delicadas. Em poucos segundos sentiu um acolhimento como nunca antes havia sentido em casa alguma.

- Que sala mais linda!
- Comprei tudo num antiquário.
- Tudo combina tão bem! Os quadros são seus?
- Sim!
- São muito bonitos! Você leva muito jeito pra pintar. Tem muita sensilidade.
- Não me acho tão boa assim.
- Você pinta com paixão. Dá pra sentir isto só de ver.
- Você é um doce..! - e deu um beijo na bochecha dele - Vem, deixa eu te apresentar minha avó!

E dali foram pra sala de jantar, onde a mesa já estava posta.

- Sam, minha avozinha, Dalva!
- Prazer em conhecê-la. - e estendeu a mão para ela.
- Nossa, você não disse que ele era tão alto, Leninha! - e aceitou a mão do rapaz - E é mais bonitão do que eu imaginava!
Acertou na escolha!
- VÓ!! Assim você me envergonha! - e suas bochechas se avermelharam na hora.

Sam apenas sorriu timidamente, com as bochechas tão ruborizadas quanto as de Helena.

- Mas sente-se, meu bem, sente-se, que você não vai crescer mais (assim espero!).
- Isto tá com um cheiro muito bom! - apreciou Sam enquanto sentava-se.

Na mesa havia uma jarra com suco de melancia, uma travessa de batata gratinada, e outra com beringelas recheadas com carne de soja.

- Eu e minha vó fizemos as beringelas recheadas. Já a batata gratinada fui euzinha.
- Fiz uma porção delas recheadas com carne moída, porque não sabíamos se você é como a Leninha, que não come “vaquinhas.”
- Eu estou tentando aos poucos parar de comer carne bovina.
- Aff... mais um! Ele foi mesmo feito pra você, Leninha! Eu vou ficar com as de carne de verdade. Mas vocês que são jovens têm muito tempo pela frente pra transformar a humanidade em vegetarianos amantes dos animaizinhos.
- Ai, vó! Falando assim até parece que você não gosta de bichinhos! - disse Helena enquanto servia-se de um pouco de batata gratinada.
- Claro que eu gosto! Mas o que posso fazer? Não vivo sem uma carninha. - e levou uma garfada boca adentro.
- Que tal mudarmos de assunto? Como ficou a moto depois do conserto?
- Parece que acabou de sair da fábrica. Os caras da oficina são muito bons.
- E como foi mesmo que você se acidentou?
- Ah, foi um acidente bobo. Eu estava passando por um cruzamento, meu sinal abriu, e um maluco apressado veio pra cima de mim da rua que cruzava com a minha. Bateu de raspão na roda dianteira.
- E você se machucou?
- A moto girou e me jogou no chão. Caí em cima do braço direito, mas não quebrou nada. Ficou roxo e doendo por uns dias. Tive que me afastar uma semana do trabalho, porque não dava pra desenhar com a dor que eu tava sentindo.
- Nossa.
- É por isto que eu detesto motos!
- Ah, vó! Nem começa, que eu sei que você vivia na garupa da moto do vovô!
- Isto foi há muito tempo atrás, minha querida. Eram outros tempos.
- Sei sei! - e olhou para Sam se divertindo com o joguinho de implicâncias que estava fazendo - Mas você adorava, que eu sei!
- Seu avô não era louco que nem esses jovens de hoje em dia que ficam disputando corrida na rua.
- Eu nunca disputei corrida com ninguém. - defendeu-se Sam.
- Não estou falando de você, meu bem. Mas hoje é tudo muito louco pro meu gosto. Na época em que eu namorava o Tide, o avô da Helena (que Deus o tenha!), era gostoso passear de moto. Nem usávamos capacete, porque era tranquilo andar pra cima e pra baixo sem correr o risco de ser atropelado por um louco voando num carrão com som alto.
- Viu, Sam? Vovô e vovó gostavam de viver perigosamente! Nem capacete eles usavam!
- Ah, Helena, não exagera! Como eu disse, os tempos eram outros.
- Devia ser muito bom... - disse Sam, apreciando a história, e a porção de batata gratinada que levava à boca. - (Hmm..! Tá uma delícia, Helena!)
- Brigadinha! - ^-^
- Ah sim, muito! Por isto não aguento ficar muito tempo aqui na cidade grande. Prefiro minha casinha em Botãozinho.
- Botãozinho? - o.ô
- Sim. É o nome da minha cidade natal. Nunca ouviu falar?
- Na verdade não. É no interior do estado?
- Sim.
- Nossa, é um dos nomes mais perfeitos que já ouvi pra uma cidade do interior!
- Ela é um encanto, Sam! Sempre que posso eu passo uns dias lá com a minha avó.
- Ah sim! Você comentou que ficou uns dias com ela enquanto se recuperava da cirurgia.
- Sim! Daí quando ela ficou boa eu chamei pra passar uns dias comigo.
- Legal. E são só vocês duas?
- Não. Os pais da Leninha vivem viajando. Então acaba que ficamos mais juntas do que ela junto com eles.
- A Vó Dalvinha é minha segunda mãe... - e neste momento Sam notou tristeza no olhar de Helena pela primeira vez desde que se conheceram, como se a história de seus pais fosse um assunto do qual ela não gostava de falar...
- Mas você precisa conhecer Botãozinho! Tem umas pracinhas lindas e, o melhor, tem um bosque numa das saídas da cidade, que parece cenário de conto de fadas! É tão lindo!
- Puxa, agora eu fiquei com a maior vontade de conhecer!
- Podemos ir qualquer dia desses.
- Bom, eu estou voltando pra lá neste final de semana, se quiserem ir junto...
- Seria ótimo!
- Sim, sim! [...] Mas... Peraí! Lembrei agora do seu show no sábado!
- É verdade! Fiquei tão empolgado que me esqueci dele.
- Show? Que show?
- O Sam toca numa banda, vó! Não te contei?
- Não.
- Achei que tinha contado.
- Não. E é banda do quê?
- De rock.
- É, com esse cabelão já devia ter suspeitado. Então quer dizer que além de desenhista seu namorado é músico.
- Não é um sonho, vó?
- É. Feito sob encomenda.
- Er... eu ainda estou aqui... - disse Sam levantando a mão - (e mais envergonhado do que já estava...) - completou baixinho.
- Fica assim não que sonho é bom, e a vovó gosta. Né vó?
- Especialmente com chá de cereja.
- HAHAHA!
- :)
- Mas, e agora, vó? Como a gente faz?
- Não tem problema, Leninha! Eu vou de ônibus e você fica. Já cansei de fazer essa viagem. Aproveite a vida, minha querida! Fique! Outro dia vocês vão pra lá.
- Eu tive uma idéia! - Sam animou-se – No sábado vamos no show, e domingo cedinho nós dois vamos pra Botãozinho! Agora eu quero muito conhecer esse lugar!
- Nunca vi ninguém tão ansioso pra conhecer Botãozinho. Nem é tudo isto que a Leninha falou.
- Ai, vó, não corta o barato dele!
- Não estou cortando. Na verdade vai ser ótimo ter companhia. Você sabe como são os domingos...
- E digo mais! Podemos fazer um piquenique no bosque no finalzinho da tarde!
- Perfeito!

E assim o jantar terminou, com comida boa e conversa agradável. Sam, naquela noite, não apenas conquistou um pouco mais do coração de Helena, como começou a ganhar uma nova avó. Daquele dia em diante tudo se tornaria ainda mais vívido, as cores mais vibrantes. Suas vidas pareciam seguir o rumo exato a que estavam destinadas.

Sam ajudou a lavar a louça após o jantar, depois de uma discussão breve e amigável com Dalva, que no início não admitia que um convidado fizesse aquilo, mas ele a convenceu de que era o mínimo que podia fazer como agradecimento pelo ótima comida e companhia. E ele nunca sentiu-se tão feliz em fazer algo tão trivial quanto lavar louças ao lado de Helena. Uma felicidade que vinha em ondas que percorriam seu corpo toda vez que suas mãos molhadas se tocavam entre o pegar de um prato, um talher ou um copo. Aquilo era tudo o que ele desejava naquele momento. E o que se desenhava no horizonte prometia momentos ainda melhores. O dia seguinte parecia sempre carregar consigo um potencial quase palpável de ser melhor que o anterior, por mais impossível que isto parecesse naquele momento na cozinha de Helena, conversando com a vó e a neta como se conhecessem há anos.

Porém nada havia preparado Sam e Helena para o que ocorreu no sábado, um dia que seria lembrado por muitos anos...

CONTINUA...

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