sexta-feira, 31 de maio de 2013

A finitude

When the wild wind blows (por nik159)

Contemplou o horizonte, já não era mais o mesmo desde que ela se foi. Os dias pareciam mais compridos, e o vento às vezes trazia o cheiro e a memória dela. Ainda era difícil entender a finitude das pessoas. Não entendia a finitude.

E numa tentativa boba sempre andava em direção à planície, pra bem perto daquelas margaridas onde a pedira em casamento durante o pôr do sol, estendia a velha toalha de piquenique e fazia uma oração para que o tempo voltasse, mesmo que por um final de tarde só pra vê-la sorrir de novo. Pra ver de novo o cristalino dos olhos dela.

- Está vendo esse céu, pequeno?
- Aham! Respondeu contemplando.
- Ela adorava olhar pra ele, vivia dizendo como nunca era igual, como era importante olhar pra ele todos os dias.
- Uau. Me conta mais dela pai!
- Ela era a mulher mais doce do mundo, a mais linda e especial! Disse com os olhos cheios d’água.
- Você sente falta dela?
- Todo tempo. Sempre vou sentir.
- Queria ter conhecido a mamãe.
- Eu também queria que você a tivesse conhecido, mas pelo menos a vida me deixou algo especial.
- O que pai?
- Você! E sempre que olho pra você eu a vejo! E isso é ótimo!

Talvez não fosse tão bobo procurá-la em todos os lugares, e nem rezar para tê-la por mais uma tarde, talvez o destino agisse de formas estranhas demais pra se compreender tão facilmente. Mas vida arrumara outras formas de mantê-la viva em sua memória, num pequeno milagre em forma de vida. E toda tarde seria especial ao lado desse pequeno, todo dia o céu seria um novo céu. E a cada pergunta, a cada segundo, ela voltaria a vida de novo numa boa história.

Talvez a finitude não fosse tão inaceitável, tão incompreensível. Enquanto houvesse memória ela seria eterna, ela estaria viva e seria a mais doce mulher de todas

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Sonhos ao vento

pinwheel (por nhienan


Já não lhe cabiam mais, eram tantos, diferentes, grandes, pequeninos, enormes. Cheios de vida, cor e esperança. Pulando e dançando enquanto esperavam para serem escolhidos, para tomarem forma e vida.

E ela tão indecisa, mal sabia qual olhar, qual chamado ouvir. Haveria tempo pra todos? Haveria mágica suficiente para lhes dar vida? Não sabia.

Foi quando em um surto resolveu salvá-los. Amarrou-os a milhares de cata-ventos, construiu um jardim com eles. Deixou-os ao sol, ao vento. Deixou aos cuidados do destino. Aos poucos a brisa foi levando todos, pra novos lares, novas pessoas, pra novos lugares onde eles criariam raízes, cresceriam frondosos.

A garotinha resolveu ser bailarina, o casal de idosos finalmente fez aquela viagem tão adiada por não saber pra onde ir, o garoto encontrou seu amor, a moça da rua de baixo virou escritora, o vestibulando resolveu fazer gastronomia ao invés de direito. O senhor da rua de cima começou a aprender a nadar... E lá longe, em alguma cidade qualquer que ela nem saberia, alguém ganharia seu primeiro sonho, e ficaria tão maravilhado com ele que o carregaria consigo a vida toda, alimentando-o, vendo-o crescer.

Sonhos dados assim de coração cresciam mais fortes e bonitos. E tornavam a vida mais doce.

Então finalmente ela dormiu em paz, conseguira dar a todos seus sonhos uma história de verdade!

sábado, 29 de dezembro de 2012

A Sinfonia

A Symphony of Life (por Katchakul Kaewkate)


Ricardo era um rapaz que possuía uma forma peculiar de enxergar as pessoas. Ele não conseguia enxergar apenas seus rostos, ouvir suas vozes, a maneira como se vestiam, se comportavam, e agiam perante ele. Ricardo tinha uma visão que podemos chamar de "aprofundada" dos seres humanos. Não aprofundada no sentido psicológico ou espiritual.

A verdade era que Ricardo podia ouvir as pessoas que passavam por ele nas ruas, aquelas com quem se relacionava, enfim, todas aquelas que, por breves momentos, fizeram, de alguma forma, parte de sua vida, cantando uma canção que muitos nem sequer consideravam como tal.

Ricardo ouvia as pessoas em seus momentos de prazer. Isto mesmo, ele olhava pra cada rosto de cada homem e mulher com quem estabelecia um contato meramente visual ou auditivo, e conseguia ouvir em sua mente os gemidos de prazer libertos por elas quando faziam amor. E isto era algo que deixava Ricardo completamente maravilhado com a vida de um modo pleno. Mas também causava-lhe, como conseqüência, uma insatisfação, pois conforme aquelas canções de prazer todas se acumulavam em sua memória, aumentava também em sua alma a necessidade de libertá-las, de disseminá-las, de transmitir ao mundo o que só ele conseguia ouvir de uma forma tão íntima.

Ricardo passou a enxergar cada ser humano na face da Terra como um instrumento musical. Alguns solitários em seu prazer, outros acompanhados. A ele não importava a orientação sexual das partes envolvidas naqueles momentos de puro êxtase orgástico. O que lhe importava era a beleza sublime do som gerado. E dentro de sua cabeça ele começou a enxergar a harmonia entre aqueles sons todos, aqueles instrumentos sob a forma de corpos humanos nus gerando prazeres mutuamente.

Ele começou a descobrir um tema que permeava todos aqueles sons. Começou a desvendar melodias em meio a todos aqueles gemidos aparentemente aleatórios. E a partir disto, Ricardo começou a tecer seu sonho, ou melhor, começou a tecer o caminho que ele devia trilhar para realizá-lo.

Ricardo era bem abastado, aliás. Tinha facilidades que poucas pessoas tinham. Portanto, podia viajar pra qualquer parte do mundo sem muito esforço. Tinha uma vida privilegiada, a qual podia dedicar única e exclusivamente à arte. Mas a arte dele, como já ficou suposto, era uma arte que poucos enxergavam como tal.

E, seguindo o caminho para a realização de seu sonho, Ricardo começou a viajar pelo mundo.

Como dinheiro não era problema a ele, pôde agir excentricamente sem grandes questionamentos da parte de quem participava de suas excentricidades.

A primeira delas foi em Amsterdã, onde propôs a um casal o seguinte: "Quero que vocês façam amor diante de mim. Pode ser no lugar que vocês preferirem. Eu não vou interferir, nem nada. Só vou pedir que me permitam que eu grave seus gemidos enquanto fazem amor. É tudo que me interessa. Pago o quanto quiserem."

O casal, obviamente, achou aquilo bem estranho, mas aceitaram a proposta. E Ricardo nem precisou pagar nada a eles, pois, ao final da sessão de amor, confidenciaram que foi uma das melhores noites de amor que já tiveram, que a presença dele havia tornado tudo mais excitante, e que não era necessário nenhum pagamento, pois já estavam satisfeitos com o que sentiram ali, com ele gravando a canção dos dois.

Foi a primeira de muitas gravações. Ricardo percorreu o mundo, passou pelos mais variados países, por diferentes culturas. Foi uma jornada que durou dez anos, mas ao final dela, seu repertório era tão vasto, que não sabia nem por onde começar. Ficou cinco anos só por conta de ouvir toda aquela coleção de "orgasmos musicais", procurando desvendar os encaixes entre eles, e as diferentes formas de combiná-los, sobrepô-los, alterná-los.

E daí foram mais dez anos até que finalmente conseguisse o que tanto sonhou: Ricardo, após uma década de clausura na enorme estação de edição sonora que construíra em seu quarto na mansão onde vivia, finalmente havia concluído a Sinfonia do Amor. Formada pelos gemidos de prazer de milhões de amantes de todo o planeta, conectados entre si por uma rede sonora, cuja fonte era uma só: o amor que sentiam pelo ser amado, pela vida, pelo próprio ato de viver.

E lá estava Ricardo, com uma sinfonia que tinha quase duas horas de duração, pronto pra compartilhá-la com o mundo.

Organizou uma apresentação no maior salão de ópera da Europa e, aproveitando-se da influência de sua família, conseguiu que ela fosse transmitida mundialmente, anunciando-a como seu maior legado ao mundo, e como aquilo que ele próprio acreditava ser a cura para todos os males da humanidade.

Com tal campanha publicitária, sustentada pela mídia, e por jornais e noticiários do mundo todo, Ricardo conseguiu a atenção que tanto precisava.

E na noite da estréia lá estava ele, com um salão lotado por quase cem mil pessoas, das mais influentes, vindas dos quatro cantos do mundo, cheias de curiosidade pra saber o que aquele sujeito de um metro e setenta de altura diante deles, naquele palco, sozinho, sem orquestra nem nada, apenas com uma estação de som, e dezenas de caixas espalhadas ao longo do salão, tinha pra mostrar a eles, e ao mundo.

Ricardo foi até a estação de som, tirou de uma bolsa pendurada nela uma caixinha de CD, abriu-a, e pacientemente tirou o disco de dentro, e o pôs no tocador.

Apertou PLAY, e a sinfonia começou.

Os trinta segundos iniciais foram de estranheza e incômodo. Alguns demoraram pra entender o que exatamente era aquilo que ouviam. Não parecia música, não havia harmonia, sonoridade, melodia.

Muitos, logo de cara, se deram conta de que eram gemidos de homens e mulheres, gemidos que não custaram muito a reconhecer sob quais ocasiões ocorreram.

Mas a sensação de estranheza e incômodo foi aos poucos passando, e a cacofonia foi lentamente tomando uma forma, uma harmonia, uma cadência.

Imagens foram se formando na mente daqueles pessoas. Imagens de si mesmas, fazendo amor, se amando. Lembranças foram aflorando. De suas primeiras noites de amor, de quão desajeitadas elas foram. E em seguidas das próximas, onde tudo foi se tornando mais fácil, de forma mais encadeada, mais centrada.

Lembraram-se de suas melhores transas, das rapidinhas, e das sessões longas, que duravam uma madrugada inteira, ou uma tarde inteira, ou uma manhã.

Mas logo, elas não conseguiam mais enxergar a si mesmas. Elas começaram a enxergar outras pessoas.

A música, aquela sinfonia de gemidos que se tornavam cada vez mais harmoniosa, mais sincronizada, mais divina, alguns pensavam consigo mesmos, era algo que se tornava cada vez mais universal.

Começaram a enxergar homens que nem sequer conheciam, mulheres que jamais viram na vida, fazendo amor, perpetrando, através de danças exóticas e sensuais, a própria humanidade.

E Ricardo, naquela altura, começou a sorrir, ao ver o sorriso sincero na mente daquela platéia de milhares, e ao supor, corretamente, que o mesmo ocorria ao redor do mundo, em todos aqueles países, nos lares daquelas pessoas que viam e especialmente ouviam sua sinfonia.

Estavam todas conectadas entre si, através daquela música de corpos e almas se amando. Uma rede sonora mundial de gemidos.

O mundo inteiro, naquele instante, estava sentindo da forma mais pura o amor daqueles casais todos, e o amor dele todo pela vida que por ele circulava. Aquilo era o amor. Aquela rede de corpos, almas, vozes, circulando sem cessar.

E ninguém parou de sorrir nem por um mero instante até o final da execução da sinfonia.

E quando ela terminou, Ricardo permaneceu parado, de pé, diante daquela platéia que não conseguia retirar aquele sorriso de admiração e veneração do rosto. Daquela platéia que, um minuto depois, em silêncio se levantou, e imediatamente após explodiu em aplausos.

E aqueles aplausos Ricardo pôde ouvir não apenas vindos dali, mas do mundo inteiro.

Mas ele não sentiu que estavam aplaudindo ele. Não, ele sentiu o que realmente estava acontecendo ali. Ele ouviu o que estava realmente acontecendo ali.

O mundo inteiro aplaudia a si mesmo pelo amor que trazia em si.


(Conto escrito em 16/09/2008)

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

A Manga e a Manhã de Sol - Parte 14

- Mas é claro que eu vou! Quando?
- Ué, sabe que eu não sei? ‘Pera só um pouquinho! - e a voz dela ficou um pouco mais distante - VÓ!
- Que foi, Leninha?
- O Sam tá querendo saber quando será o jantar!
- Pode ser amanhã!
- Amanhã é quinta, né?
- Sexta! - corrigiu Sam.
- Ah tá! Então pode ser amanhã!
- Por mim tudo bem! Nos vemos amanhã então!
- Sim, sim, sim! E você vai finalmente provar um dos meus pratos! Nossa, tô empolgada agora!
- E eu não vejo a hora de experimentar! E também de conhecer sua avó pessoalmente.
- Ah, ela também não vê a hora, NÉ VÓ?
- Que foi agora, menina?
- NADA NÃO!
- HAHAHA! A comunicação de vocês é a melhor!
- Vai se acostumando, viu? Nós duas somos meio malucas mesmo.
- A gente vai se entender, tenho certeza.
- Ah, vão sim!
- E amanhã posso aparecer que horas aí?
- Pode vir umas seis e meia.
- Combinado, então!
- Nossa, que ótimo isto! Você vai conhecer minha casa... POR DENTRO!
- Deve ser tão linda quanto por fora.
- Ah, isto eu vou deixar você descobrir na hora.
- Continua fazendo mistério, né?
- É assim que nos conhecemos. É o que torna tudo mais especial.
- E você fica mais linda me provocando desse jeito.

ENFIM! Acho que deu pra notar que foi uma longa conversa a que tiveram naquela noite, certo? Portanto, pra encurtar e ir direto ao que nos interessa, caro (a) leitor (a), vejamos um pouco de como foi o dia seguinte de Sam.

O rapaz com cheiro de manga mal dormiu de tão ansioso que estava com sua primeira visita oficial à casa de Helena. Trabalhou naquele dia fazendo o possível para concentrar-se nos desenhos que traçava com pincel e spray, para que tudo ficasse perfeito, pois estava em seus planos levar Helena pra conhecer a galeria que ajudou a decorar. Mas Sam não conseguia evitar questões como: O que eu vou usar essa noite? O que eu faço com o cabelo? Será que deixar ele solto fica informal demais? Será que eu devo ser mais informal? E o capacete? Como eu faço com ele? Ele pode bagunçar demais o cabelo se eu usar! Mas eu tenho que usar!

Ok, deu pra notar que nosso pombinho estava com mil pensamentos na cabeça a respeito do que faria naquela noite. No final do dia voltou pra casa, tomou o banho mais caprichado jamais tomado por ele em toda a sua vida, e terminou por escolher uma calça bem confortável e solta, seu melhor tênis e uma camiseta branca com uma arte abstrata que lembrava asas e luzes dançando em tons de azul celeste e violeta. Resolveu amarrar o cabelo num rabo de cavalo meio solto.

Montou na moto e partiu. Durante o percurso brincou de imaginar-se como um príncipe indo de encontro à sua princesa após uma dura batalha salvando sua cidade de um dragão, mas lembrou que seu trabalho não tornava nem de longe seu dia ruim pra ser comparado com um monstro medieval, pelo contrário, então voltou a encarar a realidade, que era ainda melhor neste momento.

A campainha tocou na casa de Helena.

- Oi! - e parecia quase não haver espaço no rosto de Sam para conter seu sorriso de felicidade.
- Olá! - e um sol em miniatura parecia brilhar dentro de Helena, e espalhar sua luz através de seu corpo pela soleira da porta e por toda a sala de estar atrás dela.


Manga e Manhã beijaram-se e em algum lugar do firmamento uma estrela passou a brilhar pela primeira vez naquela noite do mundo. Manhã pegou a mão de Manga e conduziu-o pela sala de estar, decorada com móveis antigos de madeira, todos esculpidos com motivos florais, cercados de quadros com pinturas de belas paisagens naturais e cortinados de rendas delicadas. Em poucos segundos sentiu um acolhimento como nunca antes havia sentido em casa alguma.

- Que sala mais linda!
- Comprei tudo num antiquário.
- Tudo combina tão bem! Os quadros são seus?
- Sim!
- São muito bonitos! Você leva muito jeito pra pintar. Tem muita sensilidade.
- Não me acho tão boa assim.
- Você pinta com paixão. Dá pra sentir isto só de ver.
- Você é um doce..! - e deu um beijo na bochecha dele - Vem, deixa eu te apresentar minha avó!

E dali foram pra sala de jantar, onde a mesa já estava posta.

- Sam, minha avozinha, Dalva!
- Prazer em conhecê-la. - e estendeu a mão para ela.
- Nossa, você não disse que ele era tão alto, Leninha! - e aceitou a mão do rapaz - E é mais bonitão do que eu imaginava!
Acertou na escolha!
- VÓ!! Assim você me envergonha! - e suas bochechas se avermelharam na hora.

Sam apenas sorriu timidamente, com as bochechas tão ruborizadas quanto as de Helena.

- Mas sente-se, meu bem, sente-se, que você não vai crescer mais (assim espero!).
- Isto tá com um cheiro muito bom! - apreciou Sam enquanto sentava-se.

Na mesa havia uma jarra com suco de melancia, uma travessa de batata gratinada, e outra com beringelas recheadas com carne de soja.

- Eu e minha vó fizemos as beringelas recheadas. Já a batata gratinada fui euzinha.
- Fiz uma porção delas recheadas com carne moída, porque não sabíamos se você é como a Leninha, que não come “vaquinhas.”
- Eu estou tentando aos poucos parar de comer carne bovina.
- Aff... mais um! Ele foi mesmo feito pra você, Leninha! Eu vou ficar com as de carne de verdade. Mas vocês que são jovens têm muito tempo pela frente pra transformar a humanidade em vegetarianos amantes dos animaizinhos.
- Ai, vó! Falando assim até parece que você não gosta de bichinhos! - disse Helena enquanto servia-se de um pouco de batata gratinada.
- Claro que eu gosto! Mas o que posso fazer? Não vivo sem uma carninha. - e levou uma garfada boca adentro.
- Que tal mudarmos de assunto? Como ficou a moto depois do conserto?
- Parece que acabou de sair da fábrica. Os caras da oficina são muito bons.
- E como foi mesmo que você se acidentou?
- Ah, foi um acidente bobo. Eu estava passando por um cruzamento, meu sinal abriu, e um maluco apressado veio pra cima de mim da rua que cruzava com a minha. Bateu de raspão na roda dianteira.
- E você se machucou?
- A moto girou e me jogou no chão. Caí em cima do braço direito, mas não quebrou nada. Ficou roxo e doendo por uns dias. Tive que me afastar uma semana do trabalho, porque não dava pra desenhar com a dor que eu tava sentindo.
- Nossa.
- É por isto que eu detesto motos!
- Ah, vó! Nem começa, que eu sei que você vivia na garupa da moto do vovô!
- Isto foi há muito tempo atrás, minha querida. Eram outros tempos.
- Sei sei! - e olhou para Sam se divertindo com o joguinho de implicâncias que estava fazendo - Mas você adorava, que eu sei!
- Seu avô não era louco que nem esses jovens de hoje em dia que ficam disputando corrida na rua.
- Eu nunca disputei corrida com ninguém. - defendeu-se Sam.
- Não estou falando de você, meu bem. Mas hoje é tudo muito louco pro meu gosto. Na época em que eu namorava o Tide, o avô da Helena (que Deus o tenha!), era gostoso passear de moto. Nem usávamos capacete, porque era tranquilo andar pra cima e pra baixo sem correr o risco de ser atropelado por um louco voando num carrão com som alto.
- Viu, Sam? Vovô e vovó gostavam de viver perigosamente! Nem capacete eles usavam!
- Ah, Helena, não exagera! Como eu disse, os tempos eram outros.
- Devia ser muito bom... - disse Sam, apreciando a história, e a porção de batata gratinada que levava à boca. - (Hmm..! Tá uma delícia, Helena!)
- Brigadinha! - ^-^
- Ah sim, muito! Por isto não aguento ficar muito tempo aqui na cidade grande. Prefiro minha casinha em Botãozinho.
- Botãozinho? - o.ô
- Sim. É o nome da minha cidade natal. Nunca ouviu falar?
- Na verdade não. É no interior do estado?
- Sim.
- Nossa, é um dos nomes mais perfeitos que já ouvi pra uma cidade do interior!
- Ela é um encanto, Sam! Sempre que posso eu passo uns dias lá com a minha avó.
- Ah sim! Você comentou que ficou uns dias com ela enquanto se recuperava da cirurgia.
- Sim! Daí quando ela ficou boa eu chamei pra passar uns dias comigo.
- Legal. E são só vocês duas?
- Não. Os pais da Leninha vivem viajando. Então acaba que ficamos mais juntas do que ela junto com eles.
- A Vó Dalvinha é minha segunda mãe... - e neste momento Sam notou tristeza no olhar de Helena pela primeira vez desde que se conheceram, como se a história de seus pais fosse um assunto do qual ela não gostava de falar...
- Mas você precisa conhecer Botãozinho! Tem umas pracinhas lindas e, o melhor, tem um bosque numa das saídas da cidade, que parece cenário de conto de fadas! É tão lindo!
- Puxa, agora eu fiquei com a maior vontade de conhecer!
- Podemos ir qualquer dia desses.
- Bom, eu estou voltando pra lá neste final de semana, se quiserem ir junto...
- Seria ótimo!
- Sim, sim! [...] Mas... Peraí! Lembrei agora do seu show no sábado!
- É verdade! Fiquei tão empolgado que me esqueci dele.
- Show? Que show?
- O Sam toca numa banda, vó! Não te contei?
- Não.
- Achei que tinha contado.
- Não. E é banda do quê?
- De rock.
- É, com esse cabelão já devia ter suspeitado. Então quer dizer que além de desenhista seu namorado é músico.
- Não é um sonho, vó?
- É. Feito sob encomenda.
- Er... eu ainda estou aqui... - disse Sam levantando a mão - (e mais envergonhado do que já estava...) - completou baixinho.
- Fica assim não que sonho é bom, e a vovó gosta. Né vó?
- Especialmente com chá de cereja.
- HAHAHA!
- :)
- Mas, e agora, vó? Como a gente faz?
- Não tem problema, Leninha! Eu vou de ônibus e você fica. Já cansei de fazer essa viagem. Aproveite a vida, minha querida! Fique! Outro dia vocês vão pra lá.
- Eu tive uma idéia! - Sam animou-se – No sábado vamos no show, e domingo cedinho nós dois vamos pra Botãozinho! Agora eu quero muito conhecer esse lugar!
- Nunca vi ninguém tão ansioso pra conhecer Botãozinho. Nem é tudo isto que a Leninha falou.
- Ai, vó, não corta o barato dele!
- Não estou cortando. Na verdade vai ser ótimo ter companhia. Você sabe como são os domingos...
- E digo mais! Podemos fazer um piquenique no bosque no finalzinho da tarde!
- Perfeito!

E assim o jantar terminou, com comida boa e conversa agradável. Sam, naquela noite, não apenas conquistou um pouco mais do coração de Helena, como começou a ganhar uma nova avó. Daquele dia em diante tudo se tornaria ainda mais vívido, as cores mais vibrantes. Suas vidas pareciam seguir o rumo exato a que estavam destinadas.

Sam ajudou a lavar a louça após o jantar, depois de uma discussão breve e amigável com Dalva, que no início não admitia que um convidado fizesse aquilo, mas ele a convenceu de que era o mínimo que podia fazer como agradecimento pelo ótima comida e companhia. E ele nunca sentiu-se tão feliz em fazer algo tão trivial quanto lavar louças ao lado de Helena. Uma felicidade que vinha em ondas que percorriam seu corpo toda vez que suas mãos molhadas se tocavam entre o pegar de um prato, um talher ou um copo. Aquilo era tudo o que ele desejava naquele momento. E o que se desenhava no horizonte prometia momentos ainda melhores. O dia seguinte parecia sempre carregar consigo um potencial quase palpável de ser melhor que o anterior, por mais impossível que isto parecesse naquele momento na cozinha de Helena, conversando com a vó e a neta como se conhecessem há anos.

Porém nada havia preparado Sam e Helena para o que ocorreu no sábado, um dia que seria lembrado por muitos anos...

CONTINUA...

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

O plano


Ayoi and Knn (por cs chan)


"Ok soldados, não me decepcionem! Vocês conhecem o plano!" disse ela em posição de general.


"Será que eu devo repetir o plano? Só pra garantir? Melhor!" conversou consigo mesma em pensamento.



"É o seguinte, logo a mamãe vai abrir a porta, e vocês precisam correr e passar por ela sem serem notados. Cuidado! Depois vocês irão passar pelo nosso jardim, eu já lhes alertei sobre os cães, portanto, vocês terão que ser realmente muito rápidos! Em seguida fica mais pior, é preciso atravessar a rua, olhem pros dois lados. Então é só passar por mais um jardim e entrar na casa. Vocês já sabem pelo que procurar e onde!"



"Bom, acredito que tenham entendido, não levantaram dúvidas." conversou ela mais uma vez com seus pensamentos.



"Precisamos daqueles biscoitos de leite ninho da vovó! Ela nunca nos daria antes do almoço, portanto, precisamos pegá-los!"



Era compreensível, tinha apenas 4 anos.


(Micro-conto originalmente escrito em 27/09/2008)

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

A Manga e a Manhã de Sol - Parte 13


- Posso te levar pra casa, minha Princesa das Fadas? Perguntou sorridente e meio sem jeito quando se deu conta de que chamou de “minha”.
- Mas é claro, meu príncipe! Respondeu com um sorrisão enorme. A gente nem tá tão longe agora, só não queria ter de te fazer voltar sozinho.
- Relaxa, também não estou tão longe assim... Hehe.

E foram caminhando de mãos dadas até o portão da casa de Helena, cada um dentro de seu silêncio repleto de felicidade, sorrindo por dentro um sorriso tão grande que se estendia para fora. Cada um no seu mundo, relembrando os segundos anteriores milhares de vezes, como um filme romântico com direito a trilha sonora e tudo.

- Durma com os anjos Princesa!
- Você também meu Príncipe, amanhã te ligo!
- Vou esperar ansioso.
E enquanto Helena trancava a porta cheia de suspiros, Sam voltava pra casa aos pulinhos, fazendo dancinhas e cantarolando feliz.

O dia seguinte foi bem aéreo pra Sam e Helena, o tempo todo viajando nas lembranças e cantarolando de felicidade sem perceberem.

- Sam, o que você tá fazendo cara? Quase quebrou o painel. Perguntou Roger desesperado.
- Ahm? Ah! Nossa desculpa, tava com a cabeça longe! E sorriu sem perceber.
- É aquela garota, né? Tá pensando nela!
- Pois é... É impossível não pensar na minha namorada! Respondeu todo feliz da vida.
- Caraaaaca, mandou bem heim rapaz, tá ligeiro!
- Pois é... Nem acredito... hehe.
- E a moto?
- Que moto? Ah, a moto! Fica pronta hoje a tarde finalmente, vou lá buscar depois do trampo.
- Ai ai... To vendo que hoje a coisa vai ser complicada... né apaixonadinho? Disse bagunçando o cabelo de Sam.

- Helena... Helena?... HELENA!
- Oi! Nossa num precisa gritar! Que foi?
- Chamei você três vezes... Você parecia que tava em outro planeta! Hehe.
- Desculpa vó, tava pensando numas coisas.
- Aham, “numas coisas” ou em um “alguém”?
- Ah... Disse meio sem jeito... Tava pensando no Sam, o garoto que ligou aqui outro dia... Ontem a gente saiu e ele pediu pra namorar comigo.
- Nossa, mas você o conhece de onde? Sabe quem é a família dele? Quais são as intenções dele?
- Calma vó! Quanta pergunta! Não sei... A gente se conhece faz pouco tempo, mas o Sam é uma boa pessoa, fica tranquila que eu sei o que estou fazendo, confia em mim. E sorriu.
- Tá, mas acho que ainda assim devíamos chamá-lo pra jantar aqui em casa um dia desses, quero conhecer esse rapaz que está namorando a minha neta favorita!
- Eu sou sua única neta.
- Única e favorita! E então vai me apresentar esse namorado ou não?
- Claro vovó! Falo com ele hoje à noite sobre isso, tá bem?
- Só não se esqueça de avisar quando ele virá.
- Tá bem vovó! Agora preciso ir! E saiu de casa apressada.

Helena há tempos estava vivendo de fazer bicos, uma coisinha aqui e uma ali, mas na maior parte do tempo tudo acabava na cozinha, sua paixão mesmo era cozinhar não tinha jeito. E dessa vez teria um dia cheio e ia passar boa parte do tempo entregando encomendas e recebendo pedidos, pagando contas, e por fim fazendo orçamento pra novos ingredientes, mas isso não a incomodava, sentia-se revigorada, de bem com a vida, FELIZ como nunca.

Enquanto isso Sam cuidava do projeto na galeria, e sonhava com o dia em que iria expor algo por lá, talvez milhares de versões do sorriso de Helena. E esperava ansioso pelo momento em que finalmente buscaria sua moto “assim poderia ver Helena mais vezes, ou convidá-la para passear” pensou e sorriu.

E no final de um dia cheio, finalmente veio a melhor parte para os dois.

Triiiiim triiiiiiim

- Oi! Helena?
- Não cara, é o Roger!
- Ah... Aconteceu alguma coisa cara?
- Não, não... Nada sério. Só queria saber se tem como você ir mais cedo pro trampo amanhã e me dar cobertura que vou ao dentista.
- Claro, sem problema.
- Beleza então, valeu cara, fico te devendo, até mais.
- Até.

Trim!

- Oi! Helena?
- Nossa! Como você é rápido!
- Ah, é que tava do lado do telefone, o Roger meu amigo que trampa comigo acabou de me ligar me pedindo um favor.
- Ah tá! E aí como foi seu dia? Alguma novidade?
- Ah foi tranquilo, estou trabalhando numa galeria que vai abrir em breve. E finalmente minha moto saiu do conserto.
- Nossa! Você tem uma moto?
- Tenho! Num te disse não?
- Não, acho que você não tinha comentado nada.
- Agora vou poder te ver mais vezes, e a gente vai poder sair sem ser de ônibus... hehe.
- Nossa legal, gostei dessa parte do “se ver mais vezes”! Disse sorrindo
- Mas e você, tudo bem? Conseguiu resolver “suas coisas”?
- Sim, está tudo ótimo! E consegui resolver sim, eram umas entregas de uns doces, lembra que te disse que gostava de cozinhar e fazia de tudo um pouco?
- Claro, lembro sim! Inclusive preciso qualquer hora experimentar alguma receita sua.
- Hmmm então... Sobre isso, aproveitando o assunto, a minha vó quer lhe conhecer e convidou você pra jantar aqui em casa. Eu queria saber se você está afim. Se não estiver tudo bem eu vou entender, sei que essa coisa de conhecer família é complicada. E então, você vem?

CONTINUA...